quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

o sonhos mais estranho,

   O mundo já não era o mesmo, as pessoas não eram mais as mesmas e o medo só aumentava. Já fazia um ano que o vírus tinha se instalado no planeta. Ninguém sabia ao certo como tinha começado essa infestação, a teoria que fazia mais sentido dizia que vírus normais haviam sofrido mutações e penetravam na pele de humanos através de pequenos machucados. O efeito da penetração era o surgimento de uma legião de humanos sedentos por sangue, todos que não haviam contraído a doença seriam mortos. Restavam poucos bairros que não haviam sido atingidos, por sorte eu morava em um deles. Tudo corria normalmente, tirando o fato de meu pai ter desaparecido. Eu chorava pensando o que poderia ter acontecido com ele. Minha mãe afirmava que ele estava bem, sempre que dizia isso parecia muito convicta... Como poderia ter tanta certeza?
   Mais um dia começava, nunca mais foi a mesma coisa, os adolescentes não tinham mais escolas e as escolas infantis tinham se tornado abrigos para criancinhas que se perderam dos pais. Minha mãe trabalhava em um desse abrigos, que ficava na frente de casa. Ela havia acabado de sair e eu não aguentava mais ficar trancada. Resolvi, então, que sairia mesmo sabendo que seria arriscado. Fui em uma pracinha perto de casa, esperei o tempo passar até que cansei. Voltei para casa e notei que o portão estava aberto, talvez minha mãe tivesse voltado mais cedo. Corri até os fundos de casa... Estava pegando fogo. Fiquei paralisada ao assimilar o porquê daquele fogo... Meu bairro havia sido tomado. O único jeito de matar aqueles sedentos era cortando seu pescoço e ateando fogo. Rezei para que minha casa não tivesse sido atacada. Senti passos atrás de mim, eram dois monstros, uma mulher e sua filhinha, elas estavam ensanguentadas e segurava facas na mão, não tive outra opção senão fugir. Saí correndo para o abrigos. Lá parecia estar tão calmo que pensei que fosse sonho tudo o que tinha acontecido na minha casa. Meus olhos ansiavam por minha mãe, o meu coração batia disparado. Alguém me abraçou, minha mãe. Contei-lhe tudo. Ela entrou em desespero... Enquanto isso uma de suas amigas vinha com uma serra na mão. As crianças estavam mortas, o prédio estava perdido e a mulher que vinha em nossa direção queria nos matar.
   Fui surpreendida por um pedido absurdo: voltar para casa. O que minha mãe tinha na cabeça? Ela queria nos matar, só podia ser. Outra coisa que ficou na minha mente foi a frase que ela me disse "Chegou a hora de irmos ficar junto do seu pai". Voltamos para casa com canivetes na mão, foi então que me vi obrigada a matar a menininha enquanto minha mãe cuidava da outra. Juntamos algumas coisas que pudéssemos usar, pegamos o carro e partimos para um destino incerto. O caminho foi longo. Aos poucos fui entendendo o que estava acontecendo. Chegamos em uma vila isolada, ali havia de tudo, mas definitivamente era um lugar no meio do nada. Tinhamos um apartamento ali, meu pai estava se escondendo contra a própria vontade, estava passando muito mal. Fui levando minha vida numa boa. Reconheci vários rostos, amigos antigos, conhecidos e ele... O Matheus, eu carregava uma paixão em segredo por ele e fiquei feliz por ele ter se salvado. Ele tinha um irmão gêmeo, era praticamente impossível distinguir os dois, mas alguma coisa dentro de mim sempre me fez saber diferenciar.
   As refeições eram feitas num grande refeitório, todos da vila se reuniam ali, dia pós dia, em todas as refeições. Sabíamos que nosso abrigo não iria durar muito tempo, mas éramos felizes. Dentro da nossa comunidade tinhamos um líder, ele era um senhor de idade, mas muito sábio, seu nome era Henrique. Todos ouviam seus conselhos e o respeitavam muito. Todas as decisões tinham que passar por ele primeiro.
   Uns dias se passaram e enquanto olhava umas vitrines, encontrei o irmão do Matheus, o Igor. Não sabia que ele trabalhava, mas como sempre fomos amigos resolvi entrar. Ficamos relembrando os velhos tempos e rindo. Ele me pediu para buscar um pacote no estoque, só que no caminho eu caí e quebrei o pé. Vozes foram se aproximando, Matheus e Igor discutiam o que fazer... Não tinhamos ortopedistas na vila. Eles resolveram que sairíamos da zona de segurança, nem sequer comunicaram Henrique, que provavelmente ficaria muito irritado depois. Pegaram um carro, Matheus me pegou no colo e me colocou no banco de trás. Eu estava com muito medo e dor, tudo girava. Deixamos o carro num esconderijo e o Igor disse que iria em busca de suprimentos enquanto eu e o seu irmão íamos em um hospital abandonado tentar a sorte. Matheus corria comigo encostada no seu peito. Eu podia sentir sua pulsação. Queria poder estar mais perto. 
   O hospital por fora tinha muitas marcas de sangue, sinais de guerra e vários corpos em sua volta. Fiquei me culpando por não poder andar. E se alguma coisa estivesse lá dentro? Como poderíamos nos defender? Entramos no prédio, estava vazio pelo que parecia. Tinha um cheiro azedo, os ratos tinham tomado o lugar pelo jeito. Buscamos por remédios ou gesso, demoramos um certo tempo até encontrarmos o que precisávamos. Me perguntei se Matheus não estaria com raiva de mim. Parecia que não, ele era calmo e delicado em cada movimento, tentando me poupar de mais dor. Nunca fomos muito amigos, nem sempre conversávamos, mas naquelas poucas horas nos aproximamos silenciosamente. Quando eu me queixava e dizia que podia andar, ele fazia com que seu sorriso ardesse em sua pele. Eu me sentia mais feliz do que com medo. Depois que terminamos de me medicar, roubamos a maior quantidade de remédios que encontramos.
   O Igor já esperava impaciente dentro do carro, ele que voltaria dirigindo pelo jeito. Matheus resolveu se sentar do meu lado dessa vez. Ele tentava me acalmar, me fazer dormir... Chegamos na vila e o ar parecia tenso demais, todos estavam armados, a paz acabara. Entrei em desespero interno, tantas coisas que eu ainda queria fazer... Eu precisava dos meus pais por perto e ao mesmo tempo não conseguia me ver longe do Matheus. Eu o encarei, soltei o olhar de desejo e o beijei com toda a minha vontade. Sorri para ele e saí correndo, corri para os braços de meus pais. Segurei firme um facão e fui pra luta. Me vi cortando o pescoço de um monstro, senti sua mordida. Fui infectada... Seria esse o fim?

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